Há um antigo provérbio russo, paradoxalmente popularizado por Ronald Reagan, que diz: Confie, mas verifique. Investimentos em energia demandam volumes robustos de capital, que naturalmente exigem contratos claros, segurança jurídica e correta alocação de riscos entre as partes. Se outrora o Estado brasileiro centralizava em si os papéis de indutor, articulador, orientador e controlador dessas atividades, mais recentemente acentuou-se o papel das empresas nessa função e ao Estado cada vez mais ficou reservada a estruturação de um ente garantidor do cumprimento da legislação e avaliador das boas práticas corporativas, sendo esse ente também conhecido como agente regulador.
Em tese, agências devem buscar defender a estabilidade e viabilidade do elo consumidor concessionário, ofertando incentivos e sinais que propiciem o desenvolvimento. Analisando a estrutura do setor elétrico brasileiro desde a criação da ANEEL, agencia reguladora do setor, o país acumulou investimentos de R$368.8bi em geração, R$215bi em transmissão e R$262.7bi em distribuição de energia elétrica, totalizando R$846.5bi. Nesse contexto, as empresas do setor elétrico observaram diversos ciclos de expansão, crise e remodelação de sua atuação. Além disso, diversos investidores institucionais globais de grande porte passaram a atuar de forma direta no setor, estruturando operações nos mais diversos segmentos, ressaltando a necessidade de manutenção de um ambiente regulatório estável para a captação dessas decisões de investimento.
Analisando a relação risco x retorno, espera-se que empresas que atuam no setor elétrico por serem muito reguladas apresentem maior resiliência quanto a variações de mercado. Tomando a composição mais recente do Ibovespa, principal indicador de desempenho das ações negociadas na B3, 5% de sua composição vem de empresas atuantes exclusivamente no setor elétrico. Para um leitor leigo talvez seja uma proporção pequena, contudo reflete de forma bastante parecida o peso do valor de mercado das companhias de energia elétrica no valor total das empresas listadas, aproximadamente 6%. Dada a característica histórica do setor elétrico brasileiro muitas das empresas listadas ainda possuem uma característica verticalizada, com empresas como Cemig/Copel/ENBR atuando tanto em distribuição quanto em geração e transmissão. Contudo, recentemente a entrada de empresas operadoras puras se intensificou e o mercado também viu a entrada do seu primeiro player focado na operação de geração de fontes renováveis não despacháveis, caso da Ômega. Essa entrada de operadores de nichos de mercado deve se intensificar com a aprovação do novo marco regulatório do setor, baseado nas premissas estipuladas do PLS 232/2016.
Conforme dito anteriormente, investidores procuram cada vez mais compreender e antecipar as movimentações do regulador, evitando oscilações de caráter mais previsível em suas posições. Por consequência, empresas que conseguem ter esse mesmo tipo de capacidade e montam um portfólio robusto de ativos, com sinergias e adaptabilidade, se destacam. Como reflexo dessa dinâmica:
– Empresas de geração vem intensificado seu crescimento em geração eólica e solar, garantindo uma geração de caixa com perfil complementar ao seu atual, dado o fato do pico de geração dessas fontes ocorrer no período seco, em oposição ao atual cenário onde geradoras ainda possuem capacidade instalada majoritariamente hidrelétrica (com curva de geração concentrada no período úmido);
– Distribuidoras vem buscando investir cada vez mais em smart-grids, antecipando possíveis mudanças regulatórias como separação fio-energia e o crescimento substancial da geração distribuída (78% só no primeiro semestre de 2020!), apontando cada vez mais para um futuro onde prosumers passarão a ser cada vez mais relevantes da malha de distribuição urbana;
– Transmissoras se antecipando e realizando estudos para escoamento da produção de geração renovável de forma mais eficiente, dada a nova avenida de crescimento criada com o deslocamento do corredor de capacidade instalada adicional do país em direção ao Nordeste.
O acesso à energia é um pilar fundamental para a vida humana moderna, pois quase todos os produtos que consumimos demandam energia em uma etapa de sua produção, transporte ou armazenamento. Antes que o acesso à eletricidade se tornasse uma parte essencial da vida humana, pequenas e dispersas usinas forneciam eletricidade aos consumidores finais, já que inúmeros avanços na tecnologia de corrente alternada e turbinas a vapor seriam obrigatórios antes que usinas maiores pudessem ser construídas e sua produção elétrica distribuída para um sistema difuso rede de clientes em linhas de transmissão de alta tensão.
A evolução da relação entre o homem moderno e a energia evoluiu substancialmente desde 1700, quando quase toda a demanda mundial de energia era atendida essencialmente pela queima de madeira. Esse cenário foi profundamente impactado com a chegada da revolução industrial e o papel de liderança do carvão como a nova principal fonte de energia. Essa evolução também se refletiu na ascensão e declínio das empresas que em certo momento adentraram nesse setor, replicando como uma dinâmica quase que orgânica os ciclos de mercado. A General Electric, exemplo clássico de empresa que conseguiu se adaptar as evoluções do setor, iniciou sua história corporativa como fabricante de lâmpadas incandescentes hoje fabrica turbinas utilizadas na geração eólica.
Investidores que acompanharam de perto empresas de energia estão cada vez mais ávidos por companhias que conseguem capturar e liderar essas revoluções de tecnologia, despontando como líderes graças a sua alocação de capital com disciplina e capacidade de antecipar movimentos de mercado. É de se esperar que esse dinamismo se intensifique com as novas avenidas de crescimento em desenvolvimento, contudo tornando-se cada vez mais relevante acompanhar a capacidade individual de cada um desses agentes de se adequar e crescer. Desta forma, apesar da grande disponibilidade de capital atualmente vivenciada no mundo, projetos capazes de gerar valor e empresas com disciplina para desenvolvê-los permanecem ativos raros. Consequentemente, sobreviver como investidor no setor de energia no longo prazo pede capacidade de identificar crescimentos artificiais, riscos regulatórios, anomalias de demanda e, acima de tudo, disponibilidade para verificar se o investimento escolhido é adequado. A quem interessar possa, fica o destaque: o ditado russo nunca esteve tão atual.
Escrito por: Fillipe Andrade
Associate Director – BTG Pactual
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